tá de noite já. dormir, descansar, garoto. noite na sua existência? raia novo dia. lembra da peia do aiuasca? vc com aquela dicção intoxicada, pedindo me levem pra água, água, água. cachoeira, e vc chapadão com os pés no rio jogando água nas canelas, entoando lamento desconhecido e dizendo pra si mesmo: fica calminho, fica calminho. os olhares estupefatos dos companheiros, comovidos com a sinceridade daquilo, o mais doce dos espetáculos, oxum conversando com filho dela com a voz emprestada junto a ele, ouvinte e falante ao mesmo tempo. os suspiros que vc descobriu naquelas tristezas de 10 anos atrás. deixa seu peito livre desse ar. volta pra você, volta pros seus braços, acenda o fogo ignácio da ignorância santa, deixa queimar o que te consome.

monólogo de msn com a clarah averbuck

Danilo says:
titãs foi a primeira banda q me machucou

isso qdo eu tinha os 9 anos, 87

sabe flasback q só cheiro e musca dá?

então

ouço esse disco de 87 e vem esse flashback

é maravilhoso sentir de novo a maneira como eu sentia o rock, naquela época

constato que o rock já estava em mim, desde sempre

o rock trabalha com umas energias primitivas, sei lá

energias recalcadas pelo modus vivendi católico, ocidental

essas energias têm a ver com o subsolo

com a lama

essa coisa q a gente conhece bem

vivenciar o rock é uma coisa muito desgastante, tenho achado

é uma energia importantíssima, muda as coisas, q seria do mundo sem o rock

não apenas o rock-música, mas o rock-comportamento

desgasta pq? pq parece q, pra se fazer rock, seja necessário se sujar com a tal lama, mergulhar no subsolo

imersão necessária

sempre desconfiei q o rock tivesse tudo a ver com a morte

não a morte iron maiden

o roqueiro é um cara q experiencia

inclusive a morte

a morte, q sempre foi tabu, vira totem, para o roqueiro

donde as martirizações todas

mesmo qdo o roqueiro não morre, ele não se livra da morte

vide o exemplo: "porra, mas o keith richards está vivo até hj?" iggy, bowie etc

é como se o prazo de validade do roqueiro fosse menor

esses caras aí, vivos, têm pinta de exceção

amante da energia do rock, me sinto trilhando esse caminho

imerso, cabelo molhado de vida, de morte

tudo isso me lembra o cristianismo

o roqueiro é o cordeiro, a ser sacrificado

já disse q via isso em vc, sem entender direito

via uma coisa de auto-imolação

auto-imolação a gerar sua obra, sua mensagem, a parte de vc q não vai morrer

permanece, mudando vidas

louco isso

morrendo, o artista de salva da morte

ou por outra

o artista se salva da morte justamente pelo morrer

chuva na rua, chivas em casa

olha q eu sacudo tudo, meto a mão na mesa, sou homem sacudo, nem tanto por carnes quanto por resolução. olha a minha mão cerrada em riste, quem me conhece sabe que eu sou nervoso. souza é sobrenome de se orgulhar porque houve já um souza matador que era meio meu tio-quase-avô. sei que não é hora de se auto-louvar à guisa de auto-salvação, mais ajo me lembrando da força do meu braço do que efetivamente aplicando a tal força. mas como tudo são equívocos nessa vida, me estendo nisso que agora prossegue. eu dessscendo a mão na mesa com essa força toda, pum (não nego a comicidade do eu bater assim a mão na mesa e dar uma assustadinha com o impacto do som) transmite mais filosofia que violência. na verdade isso é lema pra mim - filosofia e violência, filô com velô e viô, violência é uma palavra boa pelo que encerra de radicalidade, melhor, intransitivamente, violência é legal pelo que encerra. meu murro transmite filosofia porque me lembra do sagrado preceito de que seja o homem senhor de seus passos, sim senhor não, ser senhor!, a natureza está aí, as contingências estão aí, mas há que se dirigir o barco. senão é moço assustado correndo na chuva sem guarda-chuva com a cabeça baixa adiando a molhança por meio meio segundo, os pés altos sonhando sobrevoar incólume as poças, passos em falso conduzindo ao conforto do quente e do seco. cabeça baixa, pés altos, dá um pause nessa cena e entenda o que disse o níti, ecce homo, eis o homem. eu me preservo de atos como tais, ridículas tentativas não interessam, mais vale uma porrada na mesa pra fazer talher tremer. eu sou senhor, sim senhor, eu não sou senhor, você é senhora, que ridículo esse soco na mesa, meu olho de súplica é a expressão da derrota.
thelonious monk esfregando esse piano na minha cara, me levando para outros estados unidos, outro lugar, obrigado por me tirar de mim, mr. monk. férias merecidas, quase cinco minutos dançando quieto entre as gotas de chuva que são as notas desse piano que é pura promessa. há força lá fora, há lá fora, quem sabe um cachorro late, um relâmpago arrepia o céu, quem sabe chega um pacote pelo correio. lá fora é férias de mim, todo mergulho tem q ter um pouco de abandono.

reiki do rei

cê tá com uma dor no coração, no coração metafísico, e vem o roberto carlos. pousa a mão no ponto certo, alcança a dor como se fosse no corpo dele. exercer a dor, tocá-la - alívio possível é esse, bicho.

pode?

Louco de verdade. Né só cabelim não. Dentinho regaçado, pq bandidagem. Cicatriz no canto da boca, de facada. Sorrindo agora, mas com lágrimas guardadas pra mais tarde. Arrebatado como um lago pingado de chuva. De vez em qdo, cair no chão por querer. Ser pego roubando. RENAVAN de 2006. Carteira de identidade perdida em esbórnia no pelourinho, em 1998. Pouco louco? Bermudas originais dos anos 80. Prazer em se auto cuspir. Alguma hipocondria. Jamais jogar areia sobre qualquer paixão. Contato direto com dionísio, de vez em qdo lançar semente de mim sobre as pedras de cachoeira. Ser por correção, ser por natureza. Projetos de pajelança adiados pra depois da tempestade. Imersão no caldo quente dos sentimentos, dispensando toalhinha. Sem fé, mas com verve. Solipsista por designação dos astros, lavo minhas mãos. Confiança no deus que mora no correr dos fatos. Confiança, cumplicidade. Aguardando o último momento da vida, já claramente previsto: ouvindo som sozinho em apartamento com piso de taco no rio de janeiro, brisa e vista para o mar, quanta bagunça, quanta cachaça, quantas lágrimas guardadas para nunca chorá-las, eis que choro, tchau pra todo mundo, acabei de gozar na pedra.
nada mudou: eu em casa ouvindo changes do david bowie
eu meu pai meu irmão meu vô: caminhar é nossa dança

meu vô, desde os primórdios, caminhando. velhinho já, uma sandalinha pouco se distanciando da outra, em cada passo. caminhar arrastadinho, a poeira sobre o asfalto se esfarelando sob seus pés. meu avô desde essas caminhadas se direcionando para onde está agora.

meu pai quando dorme aqui em casa desaparece com as primeiras luzes. a gente dormindo, meu pai caminhando. quando tive tamanho de vestir calça dele, senti a moldura nas pernas e achei q eu era meu pai. mesma sensação quando caminho e vejo minha sombra me demonstrando o quanto ele está inscrito em mim - moldura.

quando a caminhada é no pôr do sol, vamos eu ele e meu irmão. dia desses, sombra de nós três fez-se cinema, visualizou-se fácil o quanto a gente é junto.

hj caminhei com meu filho pela primeira vez. sempre fiz caminhada com ele - quase todos os dias em que estivemos juntos, na verdade - ele sentadinho no carrocinha, devorando o mundo com o olhos deslumbrados. hj, bem longe de casa, cenário surreal de asfalto e mata, ele desceu da carroça. caminhamos lado a lado. ao que ele me viu empurrando carrinho vazio, quis imitar. deixei. vi que tinha muito cinema nessa cena, meu filho empurrando o próprio caminho, digo, carrinho, sozinho e feliz.
navegação em alto mar, chuva à vista!

barco ao alto, abaixo, ondas

eu com um papelzinho na mão

leitura

contas no calendário, consultas astrológicas, abstinência seguida de cancelamento da abstinência de cannabis, tarô, i-ching, olhos pra que te quero?

meu primo, que por sinal está preso - tenho um primo que pra mim é um irmão e que está preso, mil tomar no cus sinceros e em alta voz por isso -, me disse um dia com dicção de mala que o futuro nunca existe primão, esse povo tá falando pra eu cuidar do meu futuro, até tentei cuidar, mas cadê ele, que nunca chega?

tem umas segundas que têm toda a cara de domingo. domingos q nossa tá uma cara de sábado. sábados com cara de sábado. mas tem dias que estão com cara de dia nenhum. nem segunda nem terça nem quarta nem quinta nem sexta nem sábado nem domingo.

com as luas, o mesmo. um homem sensível sabe qual é a lua é sem olhar pro céu, sem consultar folhinha, sem se lembrar do último ciclo. liga as anteninhas, e percebe. lua cheia. nova. crescente. minguante. dias há em que, parece, vigora uma provisória abolição da lua. lua nenhuma.

pescador na praia calculando os rios de vento e correntes marítimas, olhar altivo, será que vai chover? impossível desconsiderar as marés, as luas, a chuva, o sol, o tao, a pele. mora um deus no correr das coisas, deixar ele agir. o máximo a fazer é não atrapalhar.

nesse dia-nenhum de lua nenhuma, ergo o olhar para o céu:

mundo ao meu redor, pq me abandonaste?

afasta de mim esse calo-me.

compromisso

centro da cidade, asfalto molhado, long neck na mão

o boêmio qdo volta pra casa, volta:

com dois dias de atraso
corpo cheio de escoriações
mancando

ainda me faltam os dois dias de atraso

então cumprir a legenda

águas

nas últimas semanas, me vi algumas vezes na situação de detentor da palavra, em sala de aula. o mestrado em teoria literária, modalidade esportiva que venho praticando desde 2006, me obrigou a proferir quatro palestras em turmas da graduação em letras. vale contar?

a primeira delas seria sobre o paulo leminski. umas 15 meninas ouvindo, parece que homem não passa em vestibular para letras. não tive tempo de preparar nada, o tiro se produziu sozinho. fui falando, falando, acessando o cara, sua obra, mergulhando o mais profundamente. fez-se a luz, o pão de queijo deu liga, de repente o verbo se fez carne. embargo imposto pela emoção, perdi a voz. vontade incontrolável de chorar. sensação clara (não estou sendo cardecista): de tanto chamar o cara, ele ali do meu lado. fez-se o silêncio. com o pouco que restava da voz, pedi desculpas, pedi um tempo com as mãos. desfalecimento total. se eu estivesse sozinho, rebentava de chorar alto. mas o pudor. com os 20 segundos de constrangimento, entra a voz muito doce da eni, coordenadora do projeto: danilo, tá tudo bem, muito legal isso, fica à vontade. com o minuto completo naquela situação, tentei dar a palestra por encerrada, sacudindo as mãos, dizendo com elas: é isso, acabou. nunca tinha experimentado choro tão tenaz. a carne se fez silêncio, senti que de alguma forma o leminski vivia no meu choro, naquele vazio.

aí ontem foi dia de falar do oswald de andrade. essa ocasião me lembrou de outra, na graduação, em que eu deveria falar do tal do antero de quental, poeta português que nunca tinha visto mais gordo, nem cheguei a ver depois. como eu não tivesse estudado bosta nenhuma, e estava obrigado a falar qualquer coisa, me veio o insaite, na sala de aula, pouco antes de tomar a palavra. descobri o dia em q o cara nasceu, logo descobri seu signo, e comecei a falar mais ou menos assim: "bom, o antero nasceu tal dia, logo é do signo de áries. como um bom ariano, ele devia ser um cara bastante assim, talvez assado. olha esse trecho aqui. típico de ariano". foi divertido, a professora entendeu q nada pode ser muito sério em sala de aula, e foice.

pois. tentando descobrir o signo do oswald, percebi q o aniversário dele era exatamente... ontem! pensei, crítico místico-literário que sou: virgem. fizemos um minuto de conversa em sua homenagem (nada a ver um minuto de silêncio com o oswald de andrade), e iniciamos a imersão.
Toda a verdade do mundo está em sair das coisas com os cabelos molhados.

imagem

dia desses, ano passado ainda, eu e um amigo, o hudson, caminhando pelo meu condomínio burguês

chovendo chuva quase nenhuma

chuvinha mínima

passamos perto de um lago

deu pra ver aquele monte de pingo

disse ao huds

temos aqui a representação e realização da máxima sensibilidade

a gente quase não saca esses pingos

e o lago, coitado, todo arrebatado

será q a gente é ombro cego entre os pingos de chuva ou, pêlo ao contrário, é lago machucado?