COLUNA MUSICAIS

A LIBERDADE DO LIVRO

Foi num desses domingos aí das semanas passadas que participei de uma promoção via internet. O primeiro que mandasse um comentário para o blog da escritora Andréa Del Fuego iria receber, via correios, um exemplar do livro “Montanha-russa”, do Fernando Bonassi. Meu comentário dizia que o atraso era especialidade da casa, bem como a derrota - em qualquer tipo de competição ou performance. Mesmo assim, ganhei a corrida, com um segundo de vantagem sobre o segundo colocado. O livro está aqui a meu lado, e essa experiência toda só veio a revelar uma característica fundamental desse estranho objeto que é o livro: sua transitividade e transcendência.

O livro é sempre transcendente porque leva sempre a alguma outra coisa, algum outro lugar - ainda que vago e misterioso - além do aqui material da tinta no papel, que é o corpo do livro. O leitor é um visitante de outros mundos. E o livro é sempre transitivo porque está sempre em trânsito, ele mesmo passeando. Viajar não é atributo apenas do leitor, porque o livro, em sua materialidade condensada, também costuma viajar. As bibliotecas, com suas fichas datilografadas e com seus carimbos de datas variantes, estão aí, pra comprovar a propensão do livro em correr mundo.

De todos os objetos, o livro é o que menos se presta à apropriação. Por mais que se abrace o livro, prenda-o na prateleira, um dia ele vai bater suas asinhas. Aqui em casa, mesmo, semana passada: um amigo, conferindo a prateleira, se deteve diante do dicionário do Câmara Cascudo. Dicionário de mitos e folclores do povo brasileiro. Conheço o rapaz de longa data. Sei de seu interesse pelas nossas mitologias. Ao que ele se pôs a folhear o livro, declarei: leva, é presente pra você. Aquele livro era muito mais dele que meu.

Então estão aí os livros todos, em seu passeio misterioso, alheios às regras da apropriação. Foi o Sarte quem disse: a arte (e a leitura) é sempre engajada, porque presume um exercício de liberdade. A liberdade do leitor, em trabalhar os sentidos da maneira que lhe vier à telha. Interessante é que, aceita a tese do livro viajante, possamos estender a liberdade verificada no exercício da leitura ao próprio livro. Ao corpo do livro. O livro está solto, em seu passeio, e nossas mãos não podem com ele.


Publicado na coluna musicais, do jornal correio, de uberlândia

Porcas a passeio - relatos de viagem

1) O Júlio Cortázar
O Cortázar foi quem afirmou: não existe tema ruim. Qualquer tema pode dar um bom escrito. Mesmo os temas mais triviais. Eu mesmo, aqui no blog, nunca consegui reportar os grandes acontecimentos. Mas os sete calangos do quintal. O banheiro do posto de gasolina. O som do vento batendo no cadeado. Tudo pode ser tema. O grande evento já é uma coisa realizada, está perfeita. O evento sutil sim, merece canto. Aí a pena vai correndo. A revolução não será televisionada.

2) O Assum Preto
Na categoria “evento sutil” podem constar, ainda que esmagadoras, as dores do mundo. Sinfonia de assuns-pretos, que maestro é teu regente? Não cantamos pra nos salvar, nem pra salvar o mundo. Mas pra morrermos todos abraçados, nós e os mundos. Submersão do sol do teletubbies, tchau tchau risonho de fade out, náufragos morremos afogados nas mágoas de uma madrugada-enxurrada.

3) O Walter Benjamin
Teve uma aula que eu assisti de ressaca. Mas pude salvar o Walter Benjamin (pronuncia-se “benjamín”) defendendo, ainda bêbado, a tese de que a literatura surgiu com o primeiro relato de viagem.

4) O Último Banho
Até que as águas do último banho plantaram em mim a vontade de contar das nossas viagens (porcas & borboletas) por inglaterra e frança. Tinha contado ainda não, quase nada. Nem nos papos aqui em casa. Mas o texto, vocês sabem, é quem pega a gente pela mão. Pra dizer: vamos existir. Aí esse que lá vai correndo me tem pelas mãos, agora.

5) Os Parentes e Amigos
Ainda não havia contado nada porque não sei muito bem como dizer que estive em Paris sem parecer metida. Londres é um pouco mais fácil. Então começar por lá. Opa, sem saber, estamos seguindo a ordem cronológica. Porque chegamos primeiro em Londres. Não é por modéstia, viu. É por fidelidade aos fatos.
Claro, serei infiel.
Mas o texto me olhou com aquela carinha do gato de botas do Shrek, quis porque quis existir, e me convenceu com um argumento racional (o argumento racional e a austeridade são a pedra do moinho – o austero é quem tem razão): pombas, danislau, os parentes e amigos estão todos querendo saber. As pessoas sentiram comprazer com a viagem do porcas, viajaram junto. Agora você amanhece calado pra dormir mudo?

8) Londres
A van de Uberlândia a São Paulo me lembrou aquela situação de desenho animado, todo mundo em apuros no balão colorido, jogando ladeira abaixo tudo que fosse peso, ver se o balão se mantinha no ar. O que foi embora, anhanguera abaixo, no percurso até São Paulo, não está no gibi. Coisas ilegais, vocês sabem. Mercadorias do Paraguai. Porque a rapaziada queria entrar em Londres limpeza, supimpa, com aquela carinha de primeiro emprego.
Embarcamos no avião da Tam por volta das dez da noite. Impressionante a capacidade do Oceano Atlântico em embaralhar o tempo. Porque foi uma sonequinha no meio da madruga, e quando demos fé o ponteiro do relógio já tava todo desafinado. O tal do fuso horário. Soube que até hoje o Ricardim não se adaptou ao fuso. Porque desadaptou-se com o do Brasil, e não adaptou-se ao fuso da Europa.
Um táxi muito louco, sempre na contramão, nos conduziu ao hotel. Um cinco estrelas supimpa, com vista pro Tâmisa, macintosh no quarto, sabonete líquido no wc, etc. Enzo quis me convencer a ligar na recepção e perguntar em inglês o que era dado, naquela suntuosidade toda. Perguntar o que é “dado” é um traço marcante de nossa cultura mineira: sempre perguntar o preço de tudo, antes de consumir. Na dúvida, agimos como um bom mineirinho. Colocamos um cadeado no frigobar.
Chegamos ao hotel vinte e cinco minutos antes da performance de Arnaldo Antunes e Marcelo Jeneci, no Festival Brasil. A moça da recepção me mostrou um mapa, me inteirei do percurso, tomei um banho voado, e fui correndo (literalmente) pro SouthBank Centre. Quando atravessei a ponte do Tâmisa, ouvindo Brian Eno no mp3 player, não resisti, e dei um salto, os braços comemorando. Um inglês perguntou: gol de quem? Disse a ele que era futebol não, era a alegria de estar ali. Ele sorriu um sorriso que me fez lembrar, pela primeira vez na viagem, a música do Caetano: London London.
Assisti a performance, o que injetou em mim uma overdose de energia criativa – o veneno de Arnaldo e Jeneci. Na saída, troquei uma figura maravilhosa com os dois, e pude rever o sorriso de alma inteira do Arnaldo. De novo diante do Tâmisa, em meio às mulheres mais lindas do mundo, caí em tentação de novo, e dei um giro hippie sobre meu próprio corpo, os braços abertos, rotação e translação do meu corpo para saudar e agradecer aos deuses da rotação e translação. Acordei com os aplausos de um grupo londrino, sorriso faceiro nos lábios, achando que era mais uma performance do Festival Brazil.
Nesse momento, já vigorava a saudade dos amigos. O que esse povo estará aprontando agora? E voltei correndo para o hotel, em busca de aventuras.














(Continua. Não vou torrar a paciência de ninguém com texto longo. É compromisso, dessa vez: continua)




um et e outro et

numa foto bem clichet

Porcas no Vinil



e tem promoção: retuitando a tag #porcasnovinil, o amigo concorre a ingressos
tranquilizem o brazil
o meu short sumiu
um shortinho da adidas
mas assim é a vida

e assim é o brazil
o país do extravio