FOGO DELICADO
Acendem-se os fogos do bairro Santa Mônica. As primeiras luzes dos postes, as mil churrasqueiras fumegantes, o forno de barro das pizzarias. As lanhouses e casas de videogame revelando a expressão contrita dos meninos com joystick na mão - os olhos refletindo a fogueira de elétrons que é o monitor diante do qual estão sentados.
Passear pelo bairro Santa Mônica, quando cai a noite, é transitar por entre incêndios. Isso pra não falar nos incêndios vespertinos. Porque a nudez, aqui, é praticada com requinte. Nem na África deve haver tantas meninas bonitas. É que o pessoal do bairro se veste com toda a sofisticação do mundo: o pessoal sabe se vestir justamente porque sabe se despir. Dou notícia também que os meninos são bonitos. Arrastam o chinelo no chão com malemolência, uma ou outra medalha de rapper sobre o peito. E toda gentileza e cortesia no trato.
Assim é o bairro Santa Mônica: um ambiente de vivências estéticas. Um bairro em erupção. Uberlândia inteira é assim? Certamente. Uberlândia revela belezas de que até (e principalmente) os uberlandeses duvidam.
E foi numa dessas madrugadas em que passeava pelo bairro que me vi de repente adentrado no Bar do Seu Eurípedes – o Soripim, ali da Belarmino, antiga 4. Meu velho amigo, o professor Joel, com cabelo de pianista louco, dedilhava seu violão de 7 cordas, na companhia de um grupo de músicos inacreditáveis. Abri uma exceção ao meu regime de abstenção de álcool, pedi uma cerveja, estacionei ao lado do balcão, para ouvir o repertório do Joel e sua turma. Lados B de Noel Rosa, Nelson Cavaquinho. O melhor da nossa cultura brasileira sendo festejado ali, despretensiosamente, no bar do Soripim, no Santa Mônica.
Até que um evento colocou mais lenha na fogueira. Duas musas - já senhoras - triunfalmente, postam-se na porta do estabelecimento. Com toda elegância, pedem licença. O grupo de músicos festeja a chegada. Já a próxima canção conta com o solo vocal de uma das damas. Fascinação: “Os sonhos mais lindos/ Sonhei”. A parceira, como que embalada pelo espírito da música, baila de um lado para o outro do salão. De repente, solta a voz. A casa cai. Não pode haver canto mais bonito. Há regozijo na expressão dos outros cantores. Olho para um, olho para outro, percebo a grandeza do momento. Muita festa entre os olhares.
A porta do bar está semiaberta. É possível ver o frio lá fora, pelo timbre envernizado do incêndio das luzes de mercúrio. O Santa Mônica é um bairro que se consome num fogo delicado.