COLUNA MUSICAIS

ANTOLOGIA DA DERROTA

O mais comum, entre os torcedores de futebol, é desejar a vitória. Uma recente pesquisa aí de sei lá qual instituto de ciências médicas, levantada pelo mestre Xico Sá, acabou prestigiando ainda mais a vitória, no futebol. Segundo essa pesquisa, os níveis de testosterona aumentam significativamente com a vitória do time pelo qual se torce, o que pode resultar em um aproveitamento mais otimizado dos prazeres do amor carnal. Só por isso, certamente, já vale a pena torcer com todas as forças pela vitória do time de coração. Mas só por isso. Porque a derrota é sempre mais edificante que a vitória.

Quer coisa mais chata que ficar assistindo aos jogadores do time campeão pulando como loucos pelo gramado já tomado pela bagunça, levantando camisetas e louvores ao ceu? Utererês à parte, muito mais interessante, por exemplo, é a imagem do penalty perdido. Ou a marcha do jogador expulso, rumo ao vestiário.

Dois momentos de derrota me vem à mente, agora. O primeiro foi o penalty perdido por Roberto Baggio, na copa de 94. Enquanto o Brasil inteiro estava de olho no Taffarel, feliz da vida, eu estava mais interessado na suprema elegância do jogador italiano. As alegrias do time brasileiro têm mistério nenhum. Ao vencedor, as batatas. Muito mais enigmática, misteriosa, humana, foi a expressão do craque da Itália.

Outro momento de derrota charmosa se deu também por ocasião de penalty perdido. Marco Antônio Boiadeiro, meio-campista genial, bateu uma bola pra fora, o que eliminou o Cruzeiro - ou foi a seleção brasileira? - de algum torneio importante, ali pelos anos 90 (a falta de memória é uma de minhas derrotas, como perceberam. Vão perdoando). Boiadeiro, depois de perdido o penalty, dá início à sua marcha até o vestiário, com a cabeça baixa, aos prantos. Nisso, Cafu realiza a jogada mais bonita de sua carreira. Sai correndo de onde estava, em direção ao companheiro de equipe, chega-se a ele para, com toda a delicadeza do mundo, erguer com os dedos o queixo do amigo cabisbaixo. Cabeça erguida, já firmando a respiração, Boiadeiro, em sacrifício, ofereceu ao mundo inteiro a beleza de sua feição marcada pelo choro. Eis o homem, pensei na hora.

A derrota é bonita não porque queiramos desfrutar a dor do outro. Mas porque podemos reconhecer, na dor do outro, uma dimensão da vida evitada a todo custo pela lógica capitalista. A derrota, como a morte, estão aí. Não somos campeões. Somos humanos (demasiado humanos).


publicado na coluna musicais, do jornal correio, de uberlândia

2 comentários:

Velharia disse...

Tem os três penaltis que o Pallermo, atacante da Argentina, perdeu num só jogo, e o saudoso Escobar, zagueiro da Colombia que fez gol contra em 94; esse foi foda, mas o mais doido foi o gol contra conciente que o Ozéias, atacante do Palmeiras, fez. Se lembrarmos bem tem cada jogada bonita... Lembra do Iguita contra Roger Milla?

kauan disse...

genial, animal.