COLUNA MUSICAIS

TRÊS HISTÓRIAS EM TORNO DO TRABALHO DO ARTISTA

1) Ao que o rapaz tentava fazer uma pergunta ao músico baiano TomZé, no festival de inverno de Diamantina, anos atrás: “TomZé, o senhor, que é um gênio...”, pá! TomZé bate a mão na mesa, interrompe o interessado rapaz, pra explicar: “amigo, eu trabalho como um danado todo santo dia, das 6 horas da manhã até a madrugada, isso desde os primórdios da minha vida, pra você vir aqui e me chamar de gênio? Sinceramente, fico ofendido com isso.”

2) No média-metragem “Lições de vida”, dirigido por Martin Scorsese, um celebrado pintor de Nova Iorque, em seu ateliê, conversa com a assistente, por quem é completamente apaixonado. O ateliê é magnífico: amplo, repleto de telas, sempre ao som de um tocador de fita executando rocks. Os dois artistas estão diante de uma tela da assistente. A pintora quer saber a opinião do “patrão” sobre seu trabalho. Claramente constrangido, diante da pouca expressividade da pintura (a tela é um desastre), o pintor se recusa a dar uma resposta. A assistente implora por um posicionamento claro: “diz que é ruim, esse trabalho. Diz logo que eu devo desistir da profissão”. A resposta é certeira: “não importa se esse trabalho é bom ou ruim. Disso não depende você continuar ou não na profissão. Se você é uma artista de verdade, você vai continuar e pronto. Fazer arte pra você não é questão de investir no que você está apta. É questão de necessidade. Fazer arte, pro artista, é inevitável.”

3) Um amigo músico está no estúdio de gravação de áudio. Vai gravar o primeiro disco de sua banda. Está feliz porque finalmente vai trabalhar com Sérgio Dias, guitarrista dos Mutantes. Sérgio vai produzir o disco. Num dos bate-papos, o amigo diz que é estudante de Psicologia. Sérgio, com uma espontaneidade infantil, transmite o que lhe passou à cabeça: “mas Pedro, me explica uma coisa: você trabalha com música ou é estudante de Psicologia?”
(publicado essa semana na coluna Musicais, do Jornal Correio, de Uberlândia)

COLUNA SOCIAL PSICODÉLICA

Contei pra vocês que agora eu sou colunista social?

Colunista sociau, rapaziada...

Até letra maiúscula tô usando.

Vez por outra, vou mandar um ataque pirata ao blog do goma.

Clicando aqui, você dá um passeio pelo jetset underground da cidade de grande othelo.

kisses, ice kisses


recado pro Bruno ET

uma coisa vc me ajudou a ver

o bukowski e o vinícius de morais são a cara um do outro

acho q é a garrafinha de estimação, sempre em frente deles

ou a sensação de haver, sempre, uma máquina de escrever invisível por perto

o arnaldo

tempos atrás, assisti o loki, filme sobre o arnaldo baptista.

fiquei olhando o olho do arnaldo o tempo todo

quem estava lá dentro? o menino ferido. me comove demais, o menino ferido.

sei onde doeram algumas dores do arnaldo?

ninguém jamais saberá nada sobre os mutantes. ah, o arnaldo pulou por isso. a rita saiu da banda por aquilo. a rita saiu da vida do arnaldo por aquilotro. ninguém sabe nada, amigos. nem arnaldo sabe, parece. se sabe, não diz. qualquer opinião sobre a vida pessoal dos mutantes, ou mesmo sobre a história da banda, me parece papinho de janela. a vida é ilegível. definitivamente: ninguém sabe nada.

o que foi a rita na vida daquele homem

o que foi o ácido na vida daquele homem

o que foi a banda na vida daquele homem.

arnaldo não saiu ileso de nada

arnaldo baptista é um índio sangrando

COLUNA MUSICAIS

UBERLÂNDIA É UMA SALVADOR

“Uberlândia é uma Salvador!”. Isso me foi dito pelo Alfredo Bello, pesquisador musical radicado em São Paulo, diante do espetáculo da Festa do Congado, cerca de cinco anos atrás. Alfredo tem todo o respaldo para sustentar uma afirmação como essa: há mais de dez anos viaja, com espantosa frequência, para os mais longínquos pontos do país, registrando, em audio e video, todo o possível, em termos de manifestações populares e religiosas.

Uberlândia é uma Salvador porque, segundo Alfredo, não deixa nada a desejar para a capital da Bahia, quando se tem em vista as suas manifestações de cultura popular afrobrasileira. Para confirmar isso basta, por exemplo, fazer uma simples visita ao centro da cidade, em dia de Festa do Congado. Ou curtir uma das dezenas de roda de samba, espalhadas pelos quatro cantos de Uberlândia. Se o contato direto com esse tipo de manifestação deixa clara sua força e amplitude, a leitura dos dados de pesquisa realizada por estudantes do curso de História da Universidade Federal de Uberlândia confirma, em termos quantitativos, a tese de Alfredo: existem, na cidade, com seus quase setecentos mil habitantes, cerca de seiscentos centros de culto afrobrasileiro - incluindo-se, nessa contagem, desde os centros maiores até os pequeníssimos.

Sim, Alfredo, existe uma Salvador, ainda não descoberta, bem embaixo de nosso nariz. Uma Salvador que insiste em permanecer, a despeito das inúmeras dificuldades. Em um país como o nosso, de escravidão recentíssima, com seu malcurado preconceito racial estendendo-se para as searas da religião (sim, muito do preconceito contra as manifestações religiosas afrobrasileiras advém do preconceito racial), não deve ser fácil sustentar um terno de congado, ou um centro de culto afrobrasileiro. Só pra se ter uma ideia: não é de hoje que o pessoal do congado lida com a possibilidade de terem sua festa “remanejada” do centro da cidade, para ser realizada em algum canto do município.

Por tudo isso, impõe-se a necessidade de reconhecermos a força e importância dessas manifestações, que são, certamente, nosso patrimônio cultural mais rico. Chega de hostilidade: fundamental que se garanta a liberdade de culto para os centros de umbanda, ou candomblé (a liberdade de culto é uma garantia constitucional). Assim como é fundamental, emblemático até, que a Festa de Congado se realize no centro da Cidade. Um pouco mais de respeito por quem deixa essa cidade mais bonita, não é uma boa? Grande Othelo, lá do seu Olimpo, agradece.

(texto publicado essa semana na coluna Musicais, do Jornal Correio de Uberlândia)