COLUNA MUSICAIS

UBERLÂNDIA É UMA SALVADOR

“Uberlândia é uma Salvador!”. Isso me foi dito pelo Alfredo Bello, pesquisador musical radicado em São Paulo, diante do espetáculo da Festa do Congado, cerca de cinco anos atrás. Alfredo tem todo o respaldo para sustentar uma afirmação como essa: há mais de dez anos viaja, com espantosa frequência, para os mais longínquos pontos do país, registrando, em audio e video, todo o possível, em termos de manifestações populares e religiosas.

Uberlândia é uma Salvador porque, segundo Alfredo, não deixa nada a desejar para a capital da Bahia, quando se tem em vista as suas manifestações de cultura popular afrobrasileira. Para confirmar isso basta, por exemplo, fazer uma simples visita ao centro da cidade, em dia de Festa do Congado. Ou curtir uma das dezenas de roda de samba, espalhadas pelos quatro cantos de Uberlândia. Se o contato direto com esse tipo de manifestação deixa clara sua força e amplitude, a leitura dos dados de pesquisa realizada por estudantes do curso de História da Universidade Federal de Uberlândia confirma, em termos quantitativos, a tese de Alfredo: existem, na cidade, com seus quase setecentos mil habitantes, cerca de seiscentos centros de culto afrobrasileiro - incluindo-se, nessa contagem, desde os centros maiores até os pequeníssimos.

Sim, Alfredo, existe uma Salvador, ainda não descoberta, bem embaixo de nosso nariz. Uma Salvador que insiste em permanecer, a despeito das inúmeras dificuldades. Em um país como o nosso, de escravidão recentíssima, com seu malcurado preconceito racial estendendo-se para as searas da religião (sim, muito do preconceito contra as manifestações religiosas afrobrasileiras advém do preconceito racial), não deve ser fácil sustentar um terno de congado, ou um centro de culto afrobrasileiro. Só pra se ter uma ideia: não é de hoje que o pessoal do congado lida com a possibilidade de terem sua festa “remanejada” do centro da cidade, para ser realizada em algum canto do município.

Por tudo isso, impõe-se a necessidade de reconhecermos a força e importância dessas manifestações, que são, certamente, nosso patrimônio cultural mais rico. Chega de hostilidade: fundamental que se garanta a liberdade de culto para os centros de umbanda, ou candomblé (a liberdade de culto é uma garantia constitucional). Assim como é fundamental, emblemático até, que a Festa de Congado se realize no centro da Cidade. Um pouco mais de respeito por quem deixa essa cidade mais bonita, não é uma boa? Grande Othelo, lá do seu Olimpo, agradece.

(texto publicado essa semana na coluna Musicais, do Jornal Correio de Uberlândia)

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