mais

a poesia sempre está em língua estrangeira. li essa frase (q não sei bem se era assim mesmo, mas afinal de contas o q é ler, senão distorcer?) em algum texto do mestrado em literatura, e amei de imediato. não me detive muito no exercício de torná-la clara pra mim - para dizer como o outro: entender a danada. gostei de mais ou menos entendê-la. hj me dou conta q nesse meio entendimento eu havia me ajustado bem à frase.

a micheli minha amiga adora repetir, na minha frente, a história em que eu, obrigado pelo mesmo mestrado a dar algumas aulas para a graduação, me vi à frente da turma em que ela estudava. o tema era: oswald de andrade. aí fomos ler um poema do pau-brasil. a versão dela: alguém perguntou o q significaria determinada palavra, e eu, meio rolando lero, teria dito "q maravilhoso isso, lermos um poema e não sabermos o significado de alguma palavra. poesia é isso, é navegar na estrutura, no estranhamento, talvez seja hora de nos libertarmos do vício semântico, do vício-em-entender, etc etc".

minha versão é mais sem-graça, e parece querer me desculpar, por isso prefiro a dela. a minha: eu teria escolhido estudar aquele poema e ir adiante mesmo sem procurar no dicionário o q significaria a dita cuja. nisso talvez encontrar uma coincidência com o preceito antropofágico do oswald: transformar o tabu (não saber o significado da palavra) em totem.

mergulhar na surpresa é o título de um disco do maurício pereira.

digo tudo isso para invocar as imagens com que banhei minhas retinas ao longo dos últimos dias, em são paulo. a consolação de baixo, no centrão, com suas luzes de mercúrio - vazia. madrugada alta nas imediações do apartamento do porcas.

(o helinho acabou de, carinhosamente, me chamar de mendigão)

mas eis q o mundo se afigurou deliciosamente estraño para esse cidadão q vos fala, desde o desembarque na capital dos paulistas.

a avenida paulista me recebeu com seus braços (mil prédios) abertos qdo eu saí do cinema em q havia acabado de assistir ao filme do carlos nader sobre o waly salomão, pan-cinema permanente. a maryllu me viu no meio da multidão, gritou danilo com aquela voz de quem acaba de reconhecer um amigo em terra estrangeira, e qdo me virei pude perceber o estranhamento dela em me ver ainda com lágrimas nos olhos, cara chorada, esfregada no chão do sofrimento bom. achei perfeito encontrar a maryllu, uma pessoa q vive intensamente a Poesia, naquele lugare naquele momento. um dia direi a ela o q agora percebo. q maryllu e waly são anagramas. o w do waly a gente consegue invertendo o m da maryllu. anagrama omni-direcional. panagrama.

isso com a maryllu foi, de certa forma, o q se passou comigo qdo saí, não menos extasiado, do teatro oficina, para cumprimentar tímida e reverentemente a atriz anna guilhermina, de quem sou fã desde a primeira vez q fui ver os sertões. o fato é que, depois das 5 horas e meia de profunda experiência coletiva, com o fim da peça, ela, ainda com o figurino de balões negros mais ou menos cheios em volta do dorso nu, posta-se arrebatada, lágrimas distorcendo a maquiagem, em frente ao teatro, quase na rua, para consumir com paixão o penúltimo cigarro da noite.

boa noite, ela disse qdo eu disse com sinceridade: muito obrigado. boa semana, inteirou ela, e eu entendi essa frase ao pé da letra, pq senti em sua inflexão o desejar mesmo aquilo, uma boa semana pra mim, ela desejou. uma ótima vida pra vc, aumentei, mas só pensando. a poesia está em que língua mesmo?

5 comentários:

Desistente disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Desistente disse...

na sua también.

(na falta da minha agora)

Unknown disse...

adoro.adorei

Maryllu disse...

Adorei o anagrama entre eu e o Waly... Provocado por depois, cinemático, na Paulista, daquele grito Daniloooo !
Era a casaaaaaaaaaa ! Danilo la rrrrrrrr... bip ! bip ! Auto! Móvel! rrrrrrrrrrrrrrrrrr...

Fernanda Amaro disse...

Danilo, hoje dou as caras aqui, satisfeita de ler este texto..quando vc escreve "deliciosamente extraño", me adianto ao dia em que "extrañar a alguien" ou "ter saudade" seja uma delícia.
acho mesmo que a delícia esteja nos subterfúgios da saudade. a falta nas cavidades do coração preenche o oco de outros prazeres: os "sofrimentos bons", que não deixam de ser compensatórios (para as coisas sejam, elas tem que compensar, verdade?)
bom ver na polissêmia dos cumprimentos suas reais expressões. assim, te saludo e te dou as graças.

abrazo

yayis